A Liberdade guiando o Povo (Delacroix, 1830)
Realidade recente, a nação moderna, tal como a democracia que lhe está associada, é produto da revolução burguesa, que da independência da Holanda contra a Espanha no século XVI, passando pelas revoluções inglesas de 1640 e de 1688, atingiria o seu expoente em finais do século XVIII com a independência dos Estados Unidos da América e, sobretudo, com a Revolução Francesa, que ao erradicar Deus e o rei para invocar exclusivamente a nação como força mobilizadora, assinalaria a passagem do Antigo Regime para a modernidade, como explica George Gusdorf: "Viva a nação! Grito de imediato retomado pela massa das tropas alinhadas na batalha secundando o comandante-chefe (general Kellermann). Neste 20 de Setembro de 1792, o grito de Valmy possui um valor emblemático de tal maneira poderoso que Goethe, correspondente de guerra no exército contrário e testemunha do incidente, crê poder datar deste momento o início de uma nova era na história do mundo". Quadro em que não pode deixar de evidenciar-se a oposição irreconciliável entre o catolicismo, pilar fundamental de sustentação do Antigo Regime, e os fundamentos ideológicos da república, da laicidade e da democracia, bem patente na condenação papal da Declaração dos direitos do Homem e do Cidadão de 1789, sob o pretexto de que ela situa o Homem no centro do universo no lugar de Deus.
Nesta circunstância ao emergir como área de legitimação política que, na sua qualidade de fonte do poder, opunha-se ao direito divino, a nação passaria a ser encarada como um espaço de igualdade de todos os cidadãos (durante muito tempo com exclusão das mulheres e dos pobres) e, nessa qualidade, sistematicamente invocada no combate contra os privilégios sociais e os particularismos regionais, facultando a todos os que com ela se identificavam a possibilidade de reivindicarem como seu o estado através do qual se organizara politicamente, inaugurando o nacionalismo moderno. Ou seja, na sua qualidade de "corpo de associados, vivendo sob uma lei comum e representada pela mesma legislatura", a nação excluía fatalmente a representação privilegiada da nobreza e do clero praticada pelo Antigo Regime, identificando-se exclusivamente com o terceiro estado, pelo que, no entender de Sieyès, não deveria sequer hesitar, se necessário fosse, em desterrar todas aquelas famílias que se mantinham teimosamente arraigadas à pretensão louca de descenderem da raça dos conquistadores e de serem herdeiras dos seus direitos de conquista, opondo uma "raça" de aristocratas a uma nação de cidadãos. Concepções para cuja difusão e implantação, dentro e fora dos territórios conquistados nas guerras contra as diversas coligações européias, a França revolucionária não hesitaria em contribuir, fomentando e apoiando-se numa sociabilidade politicamente vocacionada que, sob o impacto da Revolução, desenvolver-se-ia no Velho Continente, na América e noutras partes do mundo desde a última década do Século XVIII. Percurso que, apesar da reação restauracionista pós-napoleônica, abriu o caminho à implantação e aprofundamento da democracia em França e noutros países da Europa e do mundo, com o concurso imprescindível das lutas das classes trabalhadoras, sobretudo a partir de 1848, chegando a Comuna de Paris, em 1871, a abalar os pilares da sociedade burguesa, no que só viria ser ultrapassada pela Revolução Socialista de 1917 vitoriosas na Rússia.
Porém, o agravamento das disputas imperialistas decorrentes das necessidades de expansão econômica e dos conseqüentes choques das ambições coloniais das grandes potências, a partir de finais do século XIX, iria cada vez mais pôr em causa a obra da Revolução Francesa e das suas congêneres, desde a soberania popular em que assenta a democracia, até à laicidade, passando pela liberdade e pela igualdade. O século XX, época de guerras e de revoluções, não deixaria lugar a dúvidas quanto ao destino da nação e da democracia: duas guerras mundiais, nacionalismo chauvinista, racismo e anti-semitismo institucionalizados, colonialismo, totalitarismos fascistas e stalinistas responsáveis por genocídios organizados em larga escala, ao mesmo tempo em que a ciência e o desenvolvimento econômico conheceriam um progresso capaz de contribuir para a resolução de muitos dos problemas da humanidade, como o combate à fome e à doença, ao obscurantismo e ao analfabetismo, potenciando a melhoria substancial das suas condições de vida. No entanto, todos os sucessos neste domínio têm inevitavelmente resultado (e continuarão a resultar) da luta do ser humano pela sua concretização e universalização, contra todas as formas de exploração e de opressão social, nacional e colonial, sem o que continuará a ser esvaziada do seu conteúdo a fórmula de 1789: Liberdade, Igualdade e Fraternidade.
Ela significou uma nova forma de conceber e exercer o poder da qual ainda hoje somos herdeiros. Para compreendermos como o processo do desenvolvimento desse sistema se deu, devemos começar essa busca através da Pólis, cidade-estado, dentro da qual se desenrolava a vida social, política e religiosa. A intelectualidade burguesa gosta de recordar que a Revolução Francesa se inspirou na democracia aristotélica. Mas omite que na democracia aristocrática de Atenas, como em qualquer polis grega, somente uma ínfima percentagem da população tinha acesso às assembléias. A Revolução Americana, que se tornou quase um objeto de culto para a burguesia Brasileira, como criadora de um modelo de democracia, produziu uma Constituição que apenas concedia o voto a uma minoria de cidadãos. Esse direito, erigido em privilégio, nascia da riqueza.
Obviamente existem diferenças profundas entre os regimes supostamente democráticos de países como a França e o Reino Unido – apenas um exemplo – e os existentes na Colômbia e no Peru. Elas resultam do desenvolvimento da história, da cultura dos povos, do funcionamento das instituições e também da presença de heranças imperialistas complexas.
Os valores da democracia encontram-se entre os povos da Antiguidade. Para os Hebreus, a justiça e a ética, preceitos religiosos normativos, constituíam-se em um modo de vida abrangendo todas as camadas da população, baseados na lembrança da escravidão no Egito, as desigualdades, vedação da escravidão, acolher os estrangeiros, as viúvas e órfãos e destinar parte do campo e das colheitas aos mais necessitados, e o uso dos cofres públicos. Para os gregos, a democracia era uma forma de governo – governo da maioria, praticada na Agora. Aristóteles classifica as formas de governo e observa atentamente a realidade de cada uma. Em Roma, a questão se centrava na república em detrimento da democracia. A Idade Média é um período em que o Estado praticamente desaparece; o centro político é o feudo. A Renascença é a época do ressurgimento dos valores clássicos; examina-se a importância de Maquiavel como o apologista de um Estado unificado, laico e administrado pelo príncipe. Rousseau, como Voltaire e Montesquieu, lança as idéias que seriam adotadas pela Revolução Francesa, iniciando a democracia moderna, que terá na Comuna de Paris a participação de grandes parcelas da população, cujas reivindicações não se restringem apenas ao sufrágio e à forma republicana: suas bandeiras são econômicas e sociais. As idéias de Locke e Hobbes são também abordadas, para relacionar esses autores com o pensamento francês. O pensamento socialista, com Marx, Engels e os anarquistas, direcionam-se para a emancipação da nascente classe proletária. É uma corrente humanista que se inclina para a maioria da sociedade: os produtores. Segundo o Manifesto de 1848, a liberdade e a igualdade só serão concretas realidades com a satisfação das necessidades, mediante a conquista do Estado e da democracia. Os ideais socialistas são colocados em prática na Revolução de 1917, que se inspira na formação dos sovietes e no exercício do poder democrático, nas idéias de Rousseau, na experiência da Revolução de 1789 e no curto período da Comuna. A crítica de Gramsci ao modelo soviético, que retoma o pensamento original marxista e o adapta à sua atualidade, introduz as teses sobre bloco hegemônico, alianças políticas, o papel do intelectual orgânico e a importância da educação e da cultura popular. É a democracia dentro da revolução. Para os anarquistas, a experiência ocorre no curto verão da anarquia, durante a guerra civil espanhola: conselhos, federalismo, autonomias locais, coletivização da propriedade e gestão democrática. Com as duas guerras planetárias e a derrota do nazismo e fascismo, a democracia contemporânea tem por novos ideais a concretização dos direitos sociais e individuais, a participação na gestão e a deliberação constante sobre a gestão estatal e o seu controle. Quanto ao controle, ele existe desde os hebreus (ético), gregos (auditores) e romanos (censores); na Idade Média surgem as câmaras de contas e tornam-se normas conquistadas e adotadas nas Declarações de 1789 em diante. O controle contemporâneo é fruto da Revolução Francesa e o modelo francês mediante um Tribunal de Contas (1807) é adotado pelo Brasil com a república, embora no Brasil holandês existisse uma câmara de contas. A criação do Tribunal de Contas, a exposição de motivos de Ruy Barbosa e o decreto 966-A são a base histórica e jurídica do sistema de controle externo brasileiro. Os tipos de controle e as competências do Poder Legislativo e do Tribunal de Contas, a peculiaridade federativa e a tese de que o controle externo é instituição democrática e republicana, destinada à realização da dignidade humana, concluem a dissertação, relacionando democracia, direitos humanos e controle como um processo histórico e dialético.
Referência Bibliográfica:
Apresentação História por Voltaire Shilling. Disponível em: www.educaterra.terra.com.br/voltaire/mundo/revolucao_educacao2.htm. Acesso em 16 nov. 2009, 15:25:00. (NBR 6023, 2002, p. 4).
RODRIGUES, Miguel Urbano. Democracia, participação, revolução - Três vértices de um triângulo. Disponível em: www.resistir.info/mur/seminario_rio_29ago05.html. Acesso em 16 nov. 2009, 16:12:00. (NBR 6023, 2002, p. 4).
Por Diogo Alves e Rafael Baranda